A mistura de ficção científica, FPS e RPG em um único pacote trouxe fãs de diversas áreas a um único ponto de convergência, e nem todos tem a mesma percepção do que considerar um bom jogo, e qual seria um final apropriado para eles. Mas as diferenças terminam por aí. E fica a pergunta: o fim de ME3 é mal escrito e desenhado, ou seus produtores conseguiram criar uma experiência que vai além de tudo que já foi visto nos games?
Acompanhe aqui a descrição do modo singleplayer e entenda alguns motivos da polêmica sobre o fim do jogo.
--Este post contêm spoilers. Leia apenas se estiver disposto a saber. --
Introdução
Como todos já sabem, Mass Effect 3 é totalmente focado na guerra que as raças orgânicas da galáxia travam com a chegada dos Reapers, organismos sintéticos desenhados para destruir as civilizações orgânicas mais avançadas em um determinado ciclo temporal.
E como é possível derrotar máquinas enormes, relativamente invulneráveis, com poder de fogo devastador e com capacidade de dominar mentes? Ninguém sabe. Até porque, se soubessem, os Reapers já teriam sido derrotados em outro ciclo, e essa civilização estaria dominando a galáxia.
The Crucible - "O Teste" |
Então o jogo torna-se uma corrida, onde Shepard é obrigado a percorrer todos os Mass Relays em busca dos melhores cientistas para construir o Crucible, e de combatentes dispostos a lutar pela sobrevivência de todos.
Sobre o jogo
Mass Effect 3, assim como seus predecessores, tem um bom nível de desafio de FPS, é claro que dependente da dificuldade escolhida, e um ritmo extremamente mais acelerado que os demais. Nada de exploração indefinida de planetas, nem milhares de sondas lançadas pelo espaço. O jogo é curto e objetivo. Caso o jogador prefira seguir diretamente para os objetivos principais, acredito que é possível terminar em menos que 15 horas de gameplay.
E muitas coisas ficaram de fora. Gerenciamento de inventário, a busca incessante por equipamentos melhores, relacionamento com os companheiros, quebra-cabeças desafiadores, até mesmo os métodos de bypass e hacking, que eram um desafio à parte em certas sequências. Para um fã de RPG, isso reduz muito a qualidade do jogo.
Além da exclusão da intensa exploração espacial, a interface de Aquisições (Procurement, no Shuttle Bay) evita que você fique rodando os planetas atrás dos equipamentos: todos os "quiosques" que você acessar ao longo do jogo estarão disponíveis dentro da própria Normandy, permitindo a fácil aquisição de upgrades e equipamentos.
Melhoraram a jogabilidade e o ritmo frenético nas sequências de combate, muito diferentes do estilo atira-e-esconde dos predecessores. Com vários inimigos partindo para o confronto físico direto, como os já conhecidos Husks, os novos Brutes e as temíveis Banshees, é necessário que o jogador esteja em constante movimento, e, quando a distância da arma ao inimigo é o comprimento do seu braço, sua Omni-Blade entra em ação.
Falando dos inimigos, eles concentram-se em basicamente duas facções: o grupo Cerberus, que vai correr em paralelo a sua equipe, tentando lhe atrasar a cada passo; e os servos dos Reapers, que são monstruosas versões das raças com as quais nos encontramos ao longo da saga. Temos Husks para Humanos, Cannibals para Batarians, Marauders para Turians, Brutes para Turians/Krogans, Ravagers para Rachni, Banshees para Asari, e finalmente, Harvesters para... deixe-me ver... Dragões (??).
As sequências que mais me chamaram a atenção foram os combates diretos com os Destroyers, versões menores que os "flagships", como Sovereign e Harbinger, os Reapers que encontramos anteriormente. Os Destroyers se posicionam como barreira de defesa de posições estrategicamente importantes para assegurar a vitória dos Reapers, como o Shroud em Tuchanka, o acesso à Citadel em Londres e o ponto de controle dos Geth em Rannoch. Em todas essas oportunidades, as batalhas são sensacionais, com os lasers dessas mega-máquinas zunindo pelas nossa cabeças, e não dando muita oportunidade para cuidarmos dos soldados menores próximos. E o pior é que temos que encontrar uma forma de derrotá-los para chegar ao objetivo, sendo a mais impressionante em Rannoch.
Companheiros e Decisões
Ao longo dos três anos de viagem do Comandante Shepard, várias pessoas se uniram à tripulação da Normandy, ou ajudaram em algum momento crucial. E quase todos estão lá de novo, para dar mais uma mãozinha no momento mais desesperador da história deste ciclo.
É claro que, dependendo das baixas que sua equipe teve na missão suicida de ME2, do assassinato ou não de Wrex, do despertar de Grunt e Legion, entre diversas outras, as participações das outras raças tem que ser obtidas por outros meios.
E muita gente vai morrer, e outros que você gostaria de ver mais aparecem menos. Independente da decisão que você tome, Mordin Solus acaba se sacrificando pela cura da Genophage, assim como a doença incurável de Thane Krios leva outro companheiro. Outros personagens como Ashley, Kaidan, Miranda, Jack, Jacob e Samara, que eram interesses amorosos, mal aparecem, ficando apenas como recursos de guerra. Quem fica com Shep até o fim são seus companheiros desde o começo da jornada: Garrus, Liara e Tali (vas Normandy, vale frisar), com os quais, dependendo se suas opções de romance anteriores, é possível reatar.
Alguns novatos aparecem: a IA da Normandy, EDI, assume um corpo sintético e pode agir ao seu lado nas missões; James Vega é um soldado que fica encarregado de lhe acompanhar nesta missão, da forma que você preferir; e, caso tenha adquirido o DLC "From the Ashes", é possível ter Javik, um Prothean (isso mesmo!) na sua equipe, revelando que eles não eram tão evoluídos e pacíficos como se imaginava.
E as decisões a tomar? Algumas são realmente contundentes, e podem ir de encontro à sua moral e forma de pensar, mas, pelo bem do jogo, vale à pena fazer algo inesperado. Matar companheiros já surgiu como desafio, muito mais no sentido de salvar do que matar, mas agora a coisa é diferente. E seu personagem tem que viver com as consequências de todas essas escolhas... sendo a pior delas a que temos que fazer no final...
A Lenda ...
Como dito ao longo deste post, esse título veio para fechar uma história consagrada, e traz consigo todo o peso de uma guerra real. Não existe muita esperança, todo mundo vai acabar perdendo alguma coisa, seja um amigo, ou sua terra natal.
Sendo assim, a história segue seu ritmo acelerado, na busca pelo "Santo Graal", mas com um apelo muito mais cinematográfico que nas partes anteriores, se é que isso é possível. Shepard se defronta com decisões difíceis e muitas vezes se questiona sobre sua capacidade de superar esse último desafio.
Em diversos momentos ao longo do jogo, uma criança surge para Shepard, primeiramente na Terra, em busca de socorro, e depois ao longo de uma série de sonhos, onde para seu desespero fica apenas a mensagem: não há saída, seremos destruídos.
Unificar Turians, Salarians e Krogans, e mais Quarians e Geth, e até mesmo contar com a ajuda dos Rachni, nada disso será suficiente se o Crucible não tiver êxito. E por Crucible, temos que entender que realmente é um teste, de paciência e força mental, pelo qual Shepard terá que passar.
Mas o Crucible por si só não é capaz de derrotar os Reapers, ainda é necessário obter o Catalyst, ou catalisador, algo que realiza, ou acelera o processo, qualquer que seja esse, e que não fica claro em momento nenhum do jogo. Ou seja, é uma corrida desesperada para obter coisas que não se sabe pra que servem, ou como funcionam. Apenas nos parece que, por ser algo que evoluiu pelas mãos de diversas raças ao longo dos ciclos, talvez seja capaz de oferecer uma luz no fim deste longo túnel.
E eis que o Crucible é finalizado, e se descobre que o Catalyst está na Citadel, e que ela foi movida para a Terra, com um transporte de corpos humanos partindo de Londres para o interior da Citadel, sendo a única forma de acessá-la e colocar o Crucible em funcionamento.
A batalha em Londres é terrível, e, finalmente, quando é possível acessar o feixe de transporte para a Citadel, Harbinger se aproxima para defender a área, e acaba por derrotar todas as tropas que se aproximavam de lá. Inclusive Shepard fica inconsciente, e a partir daí começa a polêmica.
... e seu Fim
Neste momento, Shepard acorda, com a armadura praticamente destruída e derretida, com tempo de observar Harbinger e outros Reapers se afastando, confirmando sua vitória temporária. Arrastando-se pelo cenário, Shepard tenta chegar ao feixe de transporte, ainda tendo que matar alguns inimigos no caminho, em um último esforço para completar a missão.
Ao se aproximar do feixe, ele é teleportado para dentro da Citadel, onde chega novamente inconsciente em um caminho junto a Keepers e dezenas de corpos humanos dilacerados, jogados em um corredor escuro. Caminhando lentamente, Shepard recupera uma arma entre os corpos, e segue em direção ao que parece ser um portão.
Primeiro detalhe: Texto "humano" na Citadel. |
Começamos agora a frisar alguns pontos que chamam a atenção para a verossimilhança do final dado a ME3, sendo o primeiro detalhe o fato de podermos ver caracteres humanos em estruturas da Citadel. Temos três possibilidades aí: primeiro, é um erro da equipe de texturas; segundo, os humanos alteraram essa parte da Citadel, o que realmente é improvável; e, terceiro, apoiado por muitos, Shepard não está na Citadel, mas sofrendo um processo de associação mental de objetos, ao defrontar-se com a "doutrinação" que vem sofrendo.
Isso mesmo: muitos jogadores perceberam esse detalhe, e, orgulhosamente posso afirmar que esse eu vi, e, assim como os "apagões" anteriores a essa sequência, deixam margem para discutirmos se o que Shepard está enfrentando é real, ou um sonho, onde ele vai lutar pelo próprio auto-controle.
Continuando, Shepard se encontra com Anderson que, inexplicavelmente, chegou ao painel antes de Shepard, afirmando que o seguiu, mas havia seguido por um caminho diferente. Como é possível Anderson ter seguido Shepard pelo portal e ter chegado ao painel antes deste, passando por um caminho diferente, se existe apenas um caminho para se chegar à sala do painel? Absurdo. Além disso, a equipe em Londres afirma que "ninguém sobreviveu para chegar ao feixe"...
Eis que The Illusive Man, ou TIM para alguns, chega à sala e impede os movimentos de Shepard e Anderson, afirmando que eles são simplórios e não percebem que controlar os Reapers seria muito melhor. Temos aí mais pontos para discutir. Apesar do TIM ter recebido implantes Reaper, como ele poderia controlar Anderson, que não tinha sofrido "doutrinação", ou Shepard, que, imaginamos, não estar sob a mesma influência? Ele afirma, com toda segurança, de que, com a ajuda do Catalyst, ele poderia controlar os Reapers. Como isso é possível, se nenhuma das mais brilhantes mentes da galáxia teve condição de confirmar a funcionalidade do Crucible e do Catalyst? Logo, percebemos que essa cena, na verdade é um conflito mental do próprio Shepard, entre destruir os Reapers e controlá-los.
Em determinado momento, TIM obriga Shepard a atirar em Anderson e, com uma ação Renegade, atira em TIM, tendo seu caminho livre para abrir a Citadel e deixar o Crucible cumprir sua missão. Nessa parte, mais perguntas. Se Shepard atirou no abdômen de Anderson, e foi baleado no ombro por um Marauder, ainda em Londres, como é que ele tem um ferimento no abdômen? Isso indica que o tiro foi desferido contra si mesmo, em uma tentativa de resistir à doutrinação. E como o Almirante Hackett tenta entrar em contato com Shepard, se todas as tropas próximas ao transporte foram derrotadas por Harbinger? Essa é complicada de responder, mas podemos imaginar que os próprios Reapers desejam que Shepard continue em sua jornada para a doutrinação completa.
Em azul, o Controle; em vermelho, a Destruição; ao centro, a Síntese. |
A Destruição é a eliminação de todos os seres sintéticos, incluindo aí Reapers, seus agentes monstruosos, os Geth, e o próprio Shepard que deve lembrar que tem partes sintéticas. Além disso, a eliminação dos sintéticos nesse momento não garante que as novas gerações não criarão outros sintéticos e um novo conflito surgirá. Fica claro que essa opção não é a mais recomendada pelo Catalyst. O Controle vai permitir a Shepard dominar os Reapers e seus asseclas, mandando eles embora definitivamente, mas Shepard vai morrer ao iniciar o processo. Isso garantirá que as coisas continuem como estão. Por último, o Catalyst oferece a síntese, onde Shepard se sacrificaria para que os seres orgânicos e sintéticos se fundissem em uma coisa só, criando "um novo DNA", onde o conflito não mais existiria. Nesta opção, o Catalyst também afirma que, para o efeito se propagar, os Mass Relays serão destruídos, e as viagens longas não serão mais possíveis.
A partir desse ponto é que podemos começar a discutir a genialidade ou estupidez do fim do jogo. Dadas as alternativas, vamos observar a sala. As opções surgem com a cor Azul, geralmente associada ao Paragon, ao correto e ordeiro, para o Controle; vermelha, associada ao Renegade, ao incorreto e brutal, para a Destruição; e Brilhante para a Síntese, como ponto de equilíbrio. Além disso, pouco é dito sobre a Destruição, e, geralmente, as primeiras opções são as mais absurdas, e são descartadas; tendemos, naturalmente, a valorizar mais a última opção, ou aquela que é mais racionalizada, aparentemente.
Detalhe dos olhos: Síntese, The Illusive Man e Controle. |
Antes de avaliarmos todas as consequências, vamos observar um detalhe nas cutscenes de todas as opções feitas. Eu joguei como Renegade, e, por erro da equipe, ou falta de atenção minha, os olhos permaneceram o vermelho Terminator do início ao fim. Mas, como podemos ver na imagem acima, outros jogadores seguiram sem as "cicatrizes" do Renegade, e, no momento em que seus Shepards foram sacrificados no Controle ou Síntese, seus olhos ficaram com o mesmo padrão que o olho do TIM, que já era sabidamente doutrinado, e até mesmo do Saren, de ME, antes de sua transformação final. O que isso indica? Que, ao optar por seguir essas alternativas, você, o jogador, isso mesmo, preferiu não destruir os Reapers, e acabou sendo doutrinado pela palavras do Catalyst, levando Shepard a aceitar o controle dos Reapers. Confesso que eu mesmo escolhi a Síntese como primeira opção, por achar mais razoável e, como disse antes, a última solução nos parece a melhor. Até porque a primeira não parece relevante nunca.
Outra coisa é a questão das cores. O vermelho não parece ser a coisa certa a se fazer, enquanto o azul é a decisão mais correta e equilibrada. Apesar dessa influência, eu continuei a pensar que Controle seria a decisão Renegade, e não a Destruição.
No fim das contas, em Controle, os Reapers fogem, para, quem sabe, lutar de novo; sem falar que Shepard morre. Ou seja, Reapers vencem. Escolhendo Síntese, os Reapers sobrevivem usando a fusão genética, que é o objetivo primeiro deles: absorver o melhor que as novas civilizações podem oferecer, inclusive o melhor guerreiro, que é Shepard. Ou seja, Reapers vencem. Em Destruição, os Reapers morrem, e, esperando até o último momento do jogo, o corpo de Shepard aparece, respirando, cercado de escombros, provavelmente ainda em Londres! Ou seja, you win! E é a única escolha certa, e prova de que você não cedeu a doutrinação: você está disposto a morrer para, efetivamente, destruir os Reapers e todos os outros sintéticos. Um detalhe: você tem partes sintéticas, mas ainda é um ser orgânico.
Para finalizar, observem as imagens ao lado. Os ambientes do Crucible e do feixe de transporte em Londres são muito semelhantes. Em um processo de ilusão ou sonho, tendemos a associar o ambiente do sonho com a nossa realidade mais recente. Intencional ou pura coincidência?
Por muito e muito tempo ainda se irá discutir se o final é correto ou não, se é verossímil ou não, e temos pelo menos 3 opções que os jogadores podem ter seguido antes de dizer que o final é horrível e mal desenhado. Se comecei afirmando que o jogo se aproxima mais e mais do cinema, o que percebo é que faltou aos jogadores exatamente a percepção de que eles estavam participando de um filme, o tempo todo sendo conduzidos a tomar ações praticamente de forma inconsciente para alcançar o objetivo final. E o que dizer daqueles que nem sequer experimentaram todos os finais?
Aplacando a fúria de muitos, a BioWare já está tomando ações para contornar a repercussão do final controverso, e com, lamento dizer, muitos buracos de continuidade (Aos Jogadores de Mass Effect 3, do Dr. Ray Muzika, Co-Fundador da BioWare, em inglês). Apenas penso que, como telespectador assíduo de animações japonesas, já estou acostumado a acompanhar séries cujo final segue linhas totalmente diferentes da evolução da história, e muitas vezes extremamente confusos.
A comunidade está fazendo muito barulho porque não conseguiu aceitar tudo que foi proposto, e a BioWare já está tomando suas precauções. Resta saber se essa experiência de "doutrinação do jogador" foi intencional ou não, e, em qualquer caso, vai haver contestação.
De qualquer forma, parabéns à BioWare pelo trabalho inovador.
Good hunting, Commander.
Fonte principal: BioWare SocialNetwork